O que eu quero é sossego
Aquela velha frase de que a vida é curta demais para ser desperdiçada — máxima apropriada por Ferris Bueller ainda nos anos 1980 — nunca fez tanto sentido. Depois de um ano marcado por esperas e incertezas, a expressão/meme YOLO (acrônimo de You Only Live Once ou só vive uma vez) passou a ser uma espécie de mantra para pessoas, sobretudo da Geração Z estadunidense (nascida entre 1995 e 2010).
Um exemplo: as peripécias do WallStreetBets, comunidade do Reddit que tem se organizado para trocar ideia sobre comprar, vender e influenciar ações (como da GameStop).
Outra prova desse lifestyle são os adolescentes que estão investindo pesado na bolsa e exibindo ganhos rápidos (porém arriscados) no TikTok. Tal lógica ainda tem levado certas pessoas a jogarem tudo que parecia certo na carreira para o alto.
Gimme a break
Trata-se de uma galera que alcançou a fase adulta dos sonhos, leia-se ter ensino superior e bons salários em uma firma legal. A partir disso, fez seu pé de meia com investimentos ou só juntando grana mesmo. Contudo, devido à pandemia, o interesse focado só na estabilidade financeira passou a ficar para trás. O motivo? Desilusão e saúde.
Nessa altura, tanto o home office quanto os trabalhos essenciais (ou presenciais) trouxeram excesso de produtividade, solidão, rotina repetitiva e volume infindável de reuniões a cada semana.
Aliás, um estudo da Microsoft avaliou as ondas cerebrais de 14 funcionários durante essas videoconferências ao longo de dois dias, mas em rotinas diferentes: no primeiro, foram 4 reuniões seguidas com duração de meia hora; no segundo, aconteceram de modo intercalado com pausas de 10 minutos, em que os participantes faziam meditação via app.
O resultado foi que o estresse crescia e se concentrava no primeiro caso, enquanto no outro, o efeito se equilibrava.
Esqueci como se trabalha
Essa mudança passou a ser alerta de ansiedade, depressão e Burnout — ou esgotamento profissional, no bom português.
Nesta thread do Twitter de Kevin Roose, repórter do The New York Times, uma galera concordou com a “tese” de que as prioridades na vida profissional, com base no YOLO (ou quase niilistas), estavam ganhando forma na pandemia.
Mas quem chamou a nossa atenção foi o usuário Anthony Fisher, ao dizer: “Pode ser um sintoma de pessoas percebendo que a vida é curta, o materialismo é vazio e a sociedade pode entrar em colapso em qualquer momento, então viva a vida agora.”
Algo similar foi confessado por vários profissionais nesta entrevista ao TNYT, que decidiram mudar de carreira, para algo mais light, ou largar o emprego estável até “se encontrar” — inclusive em um novo negócio .
“Eu estava tão esgotada e exausta que não tinha mais certeza se sabia fazer meu trabalho”, disse Olivia Messer, repórter por 5 anos no site The Daily Beast, que pediu demissão em fevereiro, após passar um ano cobrindo a pandemia.
YOLá longe
Puxando o bonde para o Brasil, a pesquisa The Deloitte Global Millennial Survey 2020 — feita com 1.013 brasileiros das Gerações Y (millennials) e Z — mostra que o estresse seria uma razão decisiva para faltar ao trabalho — 67% dos millennials e 56% da Geração Z.
Uma diferença, porém, é que naquele momento a maioria dos millennials (44%) afirmou que o afastamento por esse motivo tinha diminuído na pandemia.
No caso da Geração Z, a porcentagem se manteve (25%).
Já o principal fator para continuar em uma empresa, estaria ligado a medidas de apoio à saúde mental para a maioria dos entrevistados.
Apostamos que o interesse em uma vida mais desacelerada está sendo considerada de algum jeito — pelo menos para os abastados.
Só modinha?
Este outro estudo da MS descobriu que 40% dos seus 30 mil entrevistados estavam interessados em mudar de emprego.
Alguns setores, como os de tecnologia e construção, devem continuar com grave escassez de mão de obra nos EUA e até em outras partes do mundo. Ou seja: parte desses profissionais talvez possa se dar o luxo de viver um período na linha YOLO — combinado a home office, modelo híbrido ou em trabalhos temporários (meio Nomadland). Porém, se tiverem condição de bancá-lo.
Por outro lado, toda essa desilusão pode não passar de um período de férias e riscos até os escritórios voltarem às operações físicas. É aquela coisa: enquanto uns escolhem, outros lutam.
Fonte: THE BRIEF